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A DATA DE ALUÍZIO PINHEIRO FERREIRA
12 de  maio de 2017 | Autor : 9 | Fonte : 9
Hoje, 12 de maio de 2017, se vivo fosse, o Nacionalizadorda Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e artífice da criação do Território Federaldo Guaporé (atual estado de Rondônia), o oficial do exército brasileiro,Aluízio Pinheiro Ferreira, completaria 120 anos.

E quando esta data ocorre, quanta saudade dele assoma ànossa mente, impregnando-se em nossa alma, na certeza de que sua imagem, seuexemplo e sua obra continuam perenes, como provas de uma lição de existência profícuae profunda.

O jovem tenente Aluízio Pinheiro Ferreira chegou a terrashoje pertencentes ao estado de Rondônia, em 1925, após participação narevolução de 1924, contra o governo do presidente Artur Bernardes. Para escaparda prisão (que lhe seria inevitável), preferiu refugiar-se no vale do Guaporéem um seringal da empresa Leal & Figueiredo, em seguida transferindo-separa o seringal de Américo Casara, no rio Corumbiara, convivendo com os índiosMacurape, no alto Rio Branco, o São Simão de alguns mapas. Pesquisou e estudoua cultura material e imaginária da tribo, escrevendo um memorial: “Em Prol doGuaporé”.

Em 1928, após anos de exílio, premido pelas saudades dafamília, Aluízio decidiu apresentar-se às autoridades militares do Comando da8ª Região Militar, em Belém. É detido prisioneiro no 26º BC, sob acusação dedeserção, relacionada ainda ao movimento de 1924. É absolvido por unanimidadepelo Conselho Militar de Justiça da 8ª Região Militar, entretanto, houveapelação ao Superior Tribunal Militar e a sentença de absolvição foitransformada em pena de prisão de sete meses, cumprida no quartel do 26º BC, emBelém.

No dia 18 de fevereiro de 1929, Aluízio envia ao generalRondon, o Memorial “Em Prol do Guaporé”, recebendo pelo Serviço do Rádio doExército um radiograma do grande sertanista, datado de 21 de fevereiro de 1929,acusando o recebimento do documento e o convidando para, quando fosse ao Rio deJaneiro, ir visitá-lo no QG.

Aluízio, cumprida a pena, viajou para o Rio e, ao visitaro general Rondon, prestou um depoimento completo sobre o vale do Guaporé,região que o acolheu numa fase difícil de sua vida.

Rondon, profundamente interessado e percebendo deimediato o valor e o idealismo patriótico de Aluízio Pinheiro Ferreira,convidou-o para integrar a Comissão por ele dirigida. Aceitando o convite,Aluízio regressou a Porto Velho e apresentou-se ao Chefe do 3º DistritoTelegráfico de Mato Grosso, em Santo Antônio, a famosa Zona Norte, cuja chefiaacabara de assumir o major Emanuel Silvestre Amarante, genro de Rondon.

Segundo Aluízio Ferreira, a Zona Norte “era repartição de má fama”, com o pagamentodo pessoal atrasado em um ano; funcionários nomeados em Comissão sem o mínimode garantia de estabilidade; estações em ruínas e desaparelhadas; posteação elinhas em frangalhos; sertão despoliciado e agressivo, valhacouto de marginais,onde o cangaceirismo imperava; dívidas aos fornecedores ultrapassando 800contos de réis, moeda da época.

A primeira viagem ao sertão foi organizada e realizada emmuares, resultando em lamentável tragédia: no dia seguinte à chegada daComissão à Cachoeira de Samuel, no rio Jamari, o major Amarante adoecegravemente, atacado por infecção tífica, obrigando a Comissão a regressar aPorto Velho, por água, até o hospital da Candelária, onde o major faleceu doisdias mais tarde.

Os restos mortais do major Amarante foram enterrados noCemitério dos Inocentes, em Porto Velho.

De ordem do general Rondon, assume a chefia da Comissão,cuja sede é transferida de Santo Antônio para Porto Velho, o tenente Aluízio PinheiroFerreira.

Enfrentando corajosamente as imensas responsabilidadesque o esperavam, Aluízio Ferreira realizou um trabalho digno e vitorioso; em1930 reconstituiu a linha telegráfica, de Vilhena a Porto Velho, economizandono seu trajeto 50 km, entre Cachoeira de Samuel e Caritianas (curva de SãoPedro). Nesse mesmo ano, foram instaladas as estações de Vilhena, PresidentePena e Cachoeira de Samuel e realizadas as manutenções das estações de Três Buritis,Barão de Melgaço, Pimenta Bueno, Presidente Hermes, Caritianas, Jaru,Ariquemes, Porto Velho, Jacy-Paraná, Mutum-Paraná, Abunã, Vila Murtinho eGuajará-Mirim. Foi realizada, ainda, a viagem de exploração e reconhecimentoaos rios Tanaru e Apidiá (Pimenta Bueno), na barra do Corumbiara, afluente doGuaporé. Aluízio, ao fazer seu relatório, enfatiza que o levantamento éimperfeito devido à total ausência de instrumento de qualquer natureza. O seutrabalho constitui valiosa referência e contribuição para a geografia daregião.

Aluízio costumava contar que naquela época “poucas pessoas se atreviam a penetrar pelalinha telegráfica, pois salteadores e ladrões campeavam de Porto Velho aVilhena”. Recebendo ordens superiores para acabar essas violências, Aluízio,às margens do rio Jaru, estabeleceu o seu posto de comando, de onde destacavaindivíduos adestrados na missão específica de aprisionar ou pôr em fuga osmalfeitores da área. E a receita aos males sociais da inóspita região que aprática de vida lhe inspirou foi aplicar um processo de justiça sumária,aplicando-a segundo métodos costumeiros, ajustados ao maior ou menor grau depericulosidade do criminoso. Conseguiu através desse procedimento impor ajustiça no sertão.

Aluízio Ferreira, quando em 1980, no Rio de Janeiro, diasantes de falecer, entregou-me seu arquivo particular (tive esse privilégio),contou-me: “foram duros e árduos os anosde 1928, 1929 e 1930. Moralizei os serviços, paguei as contas; obtive para ostelegrafistas e inspetores, num concurso especialíssimo, aprovação econsequente nomeação para cargos efetivos; reconstruí a linha-tronco e o ramalde Guajará-Mirim, consertando os fios e posteação”.

Rondon deu-lhe apoio irrestrito e integral confiança, quese consolidou definitivamente em 1930, quando Aluízio e o grande sertanista seencontraram, em Santo Antônio do Madeira. Rondon realizava mais uma das suasciclópicas inspeções de fronteira: Trombetas, Rio Negro, Cucuí, Tabatinga,Javari, Acre, Abunã. A madrugada já o encontrava em plena mata virgem e, aomesmo tempo, almoço às 5h; lombo de burro, banco de canoa ou marcha a pé o diatodo, ao sol ou à chuva, até às 17h, quando parava a tropa para comer e dormir.Não era permitida fraqueza.

E, Aluízio escreve em crônica intitulada “Rondon”: “Foi assim que, naquele março de 1930,entregou-me, em Santo Antônio, 40 muares carregados e marcou encontro em PortoAmarante, no planalto de Vilhena; ele seguiria por Guajará-Mirim, Mamoré,Guaporé e Cabixi; eu seguiria pelo picadão da linha telegráfica com o comboio,atravessando a nado os rios transbordantes e arrebanhando os Nhambiquaras queencontrasse pelo caminho”.

Aluízio compreendeu de imediato o teste a que Rondon osubmetia e iniciou a viagem. Ao chegar a Porto Amarante antes de Rondon,construiu uma jangada e desceu o Cabixi e foi aguardar Rondon numa curva dorio. Surpreendido, o sertanista certamente aprovou Aluízio no teste.

Em todas as histórias e fatos que contava, Aluízio semprenarrava algo divertido e que fazia rir.

Eis um deles: ao regressar a Porto Amarante, Aluízioentregou a Rondon um grupo de Nhambiquara e o tuxaua Lacundê e suas novemulheres, uma das quais tentava convencer Aluízio a trocar pela sua lanterna depilha.

Sua passagem pela Comissão Rondon é pontuada por umasérie de trabalhos relevantes e que, com o passar do tempo, ganharam aindamaior amplitude e dimensões nacionais.

Em cumprimento às instruções determinadas pelo generalRondon, Aluízio Ferreira iniciou no dia 9 de junho de 1930 uma viagem dereconhecimento aos rios formadores do Ji-Paraná, em motor de popa, cedido pelaInspetoria de Fronteiras à Zona Norte do 3º Distrito Telegráfico de MatoGrosso. Partiu da barra do Corumbiara, afluente da margem direita do Guaporé, eem seu relatório enfatiza: “O Corumbiaranão é propriamente um rio; é, antes sangradouro do pantanal vastíssimo quedemora cerca de 80 km da barra (dois dias a motor). Aí termina ele a partenavegável, estirando-se em igapós, campos alagados, baías e buritizais a perderde vista, no labirinto onde fracassam os mais decididos exploradores que nãodispunham de mateiro. São os lugares conhecidos por Buritizal, Molunga eSucuri”.

A expedição passou pela Ilha do Bom Destino, BarrancoAlto, rios Tanaru, Trincheiras e Pequeno Igarapé, afluente do rio Verde. Passarampela aldeia do Capitão Timão, porém a mesma se encontrava deserta. Guiadospelos índios intérpretes, tomaram uma trilha e foram deparar com a nova aldeiada tribo Mapimó, que estava em festa, comemorando a visita do capitão Ariúma, opoderoso e afamado capixanã daquelas plagas. Aluízio contava que assistiu a umjogo interessantíssimo entre os índios, consistindo no lançamento para dentrode duas varas dispostas como as traves de um “goal” de futebol, grupo contragrupo, uma bola macia de borracha, empregando somente rápidos movimentos decabeça. Esse jogo, ressalta Aluízio, além da diversão que proporcionava, tinhafim utilitário: as partidas eram apostadas a flechas e hastes de taboqui, umaou mais para os jogadores de cada grupo.

Os índios receberam a expedição com grandes demonstraçõesde amizade e alegria e Aluízio batizou o igarapé, afluente do Verde, ondepassaram aquela noite, de igarapé Timão.

Nas proximidades desse igarapé, depararam com a picada deKoeller & Cia., que partia do rio Verde, entroncando com a empresa Casara,formando via comum até às margens do rio Tanaru. Por um convênio entre as duas empresas,a exploração das terras desse rio estava dividida: margem esquerda, Koeller;margem direita, Casara. Nessa época a exploração da borracha já estavacompletamente abandonada, em consequência da sua desvalorização.

Prosseguindo, a expedição marginou o rio Verde, indo atéo ponto onde este se bifurca em dois braços, conhecido, o do nascente, porigarapé de Pedra. Aluízio assinalou, três quilômetros além do igarapé de Pedra,o divisor das águas que correm para o Corumbiara e para o Tanaru, marcando, aformão, em um cumaruzeiro da margem esquerda da picada a passagem da expedição.Vinte anos mais tarde, D. Francisco Xavier Rey, bispo de Guajará-Mirim,encontrou as gravações na casca das árvores.

Atravessando seringais, cauchais e aldeias indígenas, aexpedição, na tarde de 25 de junho de 1930, chegou ao rio Pimenta Bueno(Apidiá, na língua tupi), defrontando com barracas abandonadas de caucheiros que,tendo penetrado pelo Corumbiara, aí trabalharam em 1927 e 1928, sem saberem aocerto onde estavam localizados. Foi o caucho fabricado por essa gente que a empresaCasara, numa aventura justificada pela necessidade de poupar fretes, fez descer90 toneladas em junho de 1920, sem saber onde iria aportar. Foram felizes osaventureiros, só perdendo 25 toneladas nas cachoeiras do percurso e após doismeses de esforços e sacrifícios, avistaram a estação telegráfica de PimentaBueno. Aluízio os encontrou na primeira viagem de inspeção à linha-tronco, emsetembro de 1930, exaustos e desanimados de concluir o trecho que faltava paradesembocar no Madeira. A Comissão os socorreu com alimentos e pessoal e, se nãofossem esses recursos, aquela avultada partida de goma elástica, que descia embalsas, teria sido dispersada nas inúmeras cachoeiras do Ji-Paraná.

A expedição prosseguia, aportando à jusante de umacachoeira, logo reconhecida como impossível de transpor. Novamente, na margemdireita de Alto Barranco, em um cumaruzeiro, a expedição assinalou com formão asua passagem.

Navegaram o rio Pimenta Bueno até a cachoeira 15 deNovembro e situaram no mapa as decantadas minas de Urucumacuan – o que originouem 1941 a organização da Comissão Dequech. Reconheceram os córregos Castanha eCachoeiras, este último correndo sobre pedras basálticas pretas.

No dia 26 a expedição visitou a aldeia dos Massacá,situada à margem direita do Apidiá, e constatou que alguns indivíduosapresentavam particularidades fisionômicas peculiares à raça branca: peleclara, nariz ligeiramente aquilino, cabelos castanhos. Indubitavelmente estavaclaro que houve o cruzamento dos Massacá com o branco.

Aluízio registrou que os Massacá eram amigos e negociavamcom os Mapimó. Realizavam frequentes visitas e casavam numa e noutra tribo.Embora com dialetos diferentes, seus usos e costumes eram semelhantes, sendo degrande significação o valor que davam ao sal.

Valioso trabalho Aluízio escreveu sobre as tribos quecontatou. Sem ter formação antropológica, soube registrar e analisar os usos ecostumes dos índios. Fez amizades com os tuxauas e destacou que dentre osprodutos de suas lavouras, pela qualidade e tamanho invulgar, uma variedade deamendoim chamava atenção. Os tuxauas tinham os nomes de Mocoaré, Baxaté,Massacá, Matinan, Cocorô, Oadi, Matiô, Purá, Aroí e Nundê.

Oadi, de todos, é o que apresentava características maisfortes da raça branca. Confrontou o dialeto dos Massacá com o dos Palmela,índios brancos citados por João Severiano da Fonseca na “Viagem ao redor doBrasil”, para verificar possíveis ligações entre eles. Foi infrutífera ainvestigação, tudo completamente diferente.

Deixando o Apidiá, ultrapassaram suas corredeiras ecachoeiras, sendo necessário abrir picada para varar a carga por terra.

No dia 1º de julho, transposta a cachoeira Primavera,chegaram à estação telegráfica de Pimenta Bueno. Infelizmente, devido à péssimaqualidade do material fotográfico, a expedição perdeu as 136 chapas batidas,valiosíssimas para a nossa História, porém, os relatórios comprovam o trabalhorealizado, sendo que alguns setores do nosso corpo social. Escreve ohistoriador Emanuel Pontes Pinto: “... odiscriminaram e a outros pioneiros, como marginais da História, por acharemmelhor esquecê-los. Muitos sabem o que eles fizeram, mas deixaram de recordarestes fatos por considerarem conveniente a si a omissão. Não encontramos, pormais que nos empenhemos em procurar, nenhuma razão para justificar oprocedimento de quem, sobre este assunto, mantém ainda a mente trancada sem sedar conta do tempo. Já saímos do passado em que essas pessoas ainda seencontram, sem sentirem o reflexo do presente”.

Aluízio Ferreira, ao escrever crônica sobre Rondon,afirmava ser o “último dos seuslegionários do sertão. Mas, sem falsa modéstia, reconheço e proclamo que mealistei na falange construtora da sua glória, em contraste à posição dos queexploravam a fama do seu merecimento cívico, alguns usando indevidamente e atéabusando do nome do grande brasileiro”.

A amizade que Aluízio devotava a Rondon era recíproca eAluízio retribuiu a confiança e o apreço que Rondon lhe devotava, impedindo comsuas credenciais de revolucionário histórico que o Ministério de Viação e ObrasPúblicas, após a vitória do movimento de 1930, num ato mesquinho e ignorando oque representava para o Brasil a ciclópica epopeia da Comissão Rondon, mandasseenrolar os fios e derrubar os postes da linha telegráfica Cuiabá/PortoVelho/Guajará-Mirim. O tenente Juarez Távora chegou a acusar publicamenteRondon de “dilapidador dos cofrespúblicos por distribuir pelo sertão bruto linhas telegráficas aos índios, paralhes servir de brinquedo e, por isto, em qualquer país civilizado ou policiado,aquele general estaria preso”.

Aluízio Ferreira imediatamente assumiu a defesa do velhogeneral, revidando as infundadas acusações e proclamando serem os agressores “Felizes cidadãos fardados, regiamenteinstalados nas capitais, traçando mapas fantásticos, fazendo relatóriosincríveis, gastando dinheiro a rodo, descrevendo o sertão desbravado por Rondon,homiziando índios antropófagos, cobras grandes e mapinguaris hediondos”.

O ministro José Américo de Almeida, admirando econcordando com a posição firme de Aluízio Ferreira ao defender seu antigochefe, convidou-o a substituir Rondon na chefia do já então 3º DistritoTelegráfico de Mato Grosso. O último legionário de Rondon costumava dizer quenão substituiu, apenas sucedeu o grande Rondon.



 

*Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Históricoe Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira, daAcademia Histórica Militar Príncipe da Beira, colunista do site Gente deOpinião e do jornal Alto Madeira.



Yêdda Pinheiro Borzacov
 

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