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O AGENTE FUNERÁRIO
18 de  dezembro de 2015 | Autor : 1 | Fonte : 1


 SamuelCastiel Jr.













         Geólogo argentino, pesquisador de jazidas de pedras preciosas na reservaRoosevelt, em Rondônia, a serviço de uma mineradora multinacional, concluiu suamissão, elaborou minuncioso relatório falando da qualidade do solo, jazidas,aluviões e ocorrência das pedras preciosas naquela reserva. Falava também deconflitos sangrentos entre índios e garimpeiros, bem como da ausência da forçapolicial, gerando insegurança para quem se aventurasse a trabalhar naquelalonginqua região. Quando voltava para São Paulo, sofreu um ataque cardíaco noaeroporto  do Belmont, hoje JorgeTeixeira, em Porto Velho-RO., foi socorrido e transportado pelo SAMU, porém foia óbito durante o percurso, tenho chegado morto na unidade de emergência doPronto Socorro João Paulo II. Constatado o óbito o médico plantonista assinou oAtestado de Óbito e, como de praxe, pediu que levassem o corpo para onecrotério até que os familiares o procurassem. Era um sábado a noite e omovimento muito intenso naquela unidade hospitalar. Baleados, esfaqueados,motoqueiros quebrados, vitimas do enlouquecido trânsito. O tempo foi passando,e aquela rotina avançou noite adentro! Já era tarde quando um amigo e colega dogeólogo falecido chegou ao Pronto Socorro acompanhado de outro homem que seidentificou como gerente e representante da empresa multinacional e empregadorado pesquisador falecido. Procurado o médico que assinou o atestado de óbito,este explicou que infelizmente o infarto foi fulminante, tendo o paciente dadoentrada já morto naquele Hospital. Nada podemos fazer! –disse o médico ao gerenteda mineradora.
-- E onde está o corpo doutor ?–perguntou o amigo do geólogo. Temos que providenciar o preparo do corpo, bemcomo o embalsamamento e o seu transporte para São Paulo, de onde seguirá para aArgentina, onde mora sua família.
-- Pois não, vocês podem ir até onecrotério que o corpo lá se encontra. Já assinei o atestado de óbito.
   Mas ao chegar ao necrotério, pra surpresa dos dois homens, lá não havianenhum corpo! As três mesas de pedra  estavam frias e vazias!... Já nervosos, voltaram aoatarefado médico que ficou incrédulo ao saber que o cadáver tinha sumido!Chamou a enfermeira-chefe e, juntos, foram as pressas ao necrotério,constatando o que já sabiam: o corpo do geólogo havia sumido! Sem saber o quedizer nem como explicar aos amigos do morto o sumiço de um cadáver de dentro dohospital,  o médico e a enfermeira ficaramainda mais atabalhoados:
-- Não sabemos ainda ao certo o queaconteceu!...Vou pedir a instalação de uma comissão para apurar esse fatolamentável! –disse o médico sem muita convicção!
--Doutor, o senhor me desculpe, masnem o senhor nem comissão alguma vão apurar nada! Vou agora mesmo registrar umaocorrência policial. Isso que aconteceu é inadmissível! – disse o representanteda mineradora já quase aos gritos dentro do hospital. Ao sair, juntamente com oamigo do geólogo morto, falando alto e reclamando muito, o gerente damineradora foi abordado por outro homem, já no estacionamento do hospital:
--Moço, por favor, tô vendo que osenhor tá muito aborrecido, e com razão! Sumiram com o corpo do seu amigo! Euacompanhei e ouvi  tudo de longe. Sei oque aconteceu.
   O gerente que já estava quase entrando no seu carro, parou.
--O que você tá dizendo home?
--Isso mesmo que o senhor ouviu. Eusei o que aconteceu e também sei onde está no corpo do seu amigo.
--E quem é você?
--Sou funcionário de uma funerária,vulgarmente chamado de “papa-defunto”. Mas odeio esse nome, e prefiro que mechamem de Agente Funerário. O que aconteceu foi uma tremenda atitude antiética edesrespeitosa. Sou Agente Funerário a 15 anos e nunca tinha visto isso acontecer!  Eu acompanhei o seu amigo desde o aeroporto, quando ele passou mal efoi transportado pelo SAMU. Depois que foi declarado morto e mandado para onecrotério, fiquei a espera de algum familiar dele para que pudesse tratar dofuneral. Mas quando o senhor chegou e foi até ao necrotério,  um outro “papa-defunto” játinha removido o corpo e saído por traz do hospital. Creio que o vigilante dohospital deve ser cúmplice desse vagabundo! Fui atras e chequei tudo: o corpodo seu amigo está em uma terceira  funerária concorrente. Ouvi falar que teriasido negociada sua transferência para  uma terceira funerária por um bom preço. Agora, que o senhor sabe detudo, é por sua conta!
--O gerente da mineradora, furioso,agarrou o “papa-defunto” pelo colarinho:
--Vocês são todos iguais! Verdadeiros abutres! Nãorespeitam nem os mortos nem suas famílias! E tem mais, você vem comigo agora!Vamos até a delegacia mais próxima registrar essa ocorrência e você é a minha testemunha ocular viva!  E tem sorte de ainda ser “viva”!...
--Como já lhe disse, meu senhor,acho isso uma terrível falta de ética profissional. Mas, nos dias de hoje, essemercado tá cada vez mais disputado. Quem chegar primeiro leva!...
   Na delegacia, depois do fato narrado ao delegado plantonista, o escrivãodigitou os necessários depoimentos, lavrou o Boletim de Ocorrência ( B.O.)., e na sequência solicitou quea viatura policial, juntamente com uma patrulha da PM e o “papa-defunto”delator,  fossem até a funerária e trouxessempresos os responsáveis. Quando a equipe já entrava na viatura pra cumprir amissão, o delegado chamou o seu agente policial e ordenou:
--Carlão, traga TODOS os  responsáveispresos! Inclusive o corpo desse cidadão portenho!  Onde já se viu um  cadáver estrangeiro  perambulando pelas ruas de Porto Velho, defunerária em funerária,  sábado a noite,como se fosse um cão sem dono! Isso pode até gerar inclusive um mal-estar diplomático! Que plantão agitado nesse sábado, hem? Vou lhe contar!... Edirigindo a palavra para o gerente da mineradora que, bufando de raiva, quase apoplético,  tentava acalmar-se, perguntou-lhe:
--Enquanto o senhor espera, aceitaum copo d’agua ou um cafezinho?...
Samuel Castiel
 

ACLER - Academia de Letras de Rondônia
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