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Porto Velho Boêmio
14 de  outubro de 2015 | Autor : 3 | Fonte : 3
Porto velho desde seus primórdios surgida em 1907 implantada na barranca da margem direita do Rio Madeira por pioneiros anônimos e os estrangeiros construtores da ferrovia Madeira-Mamoré, era cosmopolita nela convivendo gente oriunda de todos os recantos do Brasil e do mundo com suas virtudes e seus defeitos, seus idiomas e credos religiosos, seus cardápios alimentares e suas formas de lazer.

Dividida em dois setores, o povoado dos norte-americanos e o povoado dos brasileiros. O primeiro, em 1913 com destituição de Farquhar da presidência da empresa passou ao controle dos anglos canadenses maiores acionistas, sob a presidência do Mr. Cameron Forbes. Primava pela organização e a moralidade, não sendo admitidos desvios de conduta comportamento imposto, a ser cumprido pelos contratados trabalhadores e funcionários subalternos. Era, entretanto o núcleo dos hipócritas puritanos prevalecendo a regra do “faça o que mando, não faça o que eu faço” visto que a elite administrativa e empresarial a noite se divertiam no cassino Panigai do italiano Marcos Panigai, jantando cardápios variados regados a finas bebidas, em companhia de formosas mulheres francesas, italianas, polonesas, espanholas e brasileiras da equipe do cassino, com essas dançando ao som dos ritmos em moda, até a madrugada chegar. Os trabalhadores se divertiam nos fins de semana na vizinha Santo Antônio.

O segundo, o povoado de Porto Velho dos brasileiros, reinava a desordenada improvisação. Porém neste não havia a falsa ética da decência dos lobos transfigurados em cordeiros. Cada qual vivia como entendia, agindo de acordo com o que lhe convinha. O polo de diversão era o Teatro Fênix funcionando 24 horas, com restaurante, carteada, cinema, apresentações de peças teatrais e festas dançantes com muitas mulheres e bebidas a vontade, desde que pagas.

O povoado dos brasileiros, Porto Velho, em 1914 passou a sediar o município da mesma denominação, e em 1919 elevado à categoria de cidade.

A boemia acompanhava a evolução urbana e econômica se sofisticando. O Café Central com pianista peruano eximo executor de musicas clássicas e de ritmos populares dançados por sua equipe de mulheres com sua promiscua freguesia constituída por cassacos, estivadores, seringueiros, operários, advogados, engenheiros, comerciantes, seringalistas e desocupados, todos ávidos por prazeres e sexo. Tomou o lugar do Fênix.

O Panigai se transformou no clube Internacional frequentado pela elite social, os categas e as selecionadas moças casadouras filhas das distintas famílias. Era ilha de fineza, intelectualidade e cultura.

Também surgiram casas especializadas de atendimento à demanda com música, bebidas danças e aprazíveis noitadas nos aconchegos das jovens mulheres importadas de Manaus, Belém, Rio Branco e da Bolívia.

Em julho de 1931 os gringos abandonaram a Madeira-Mamoré, o governo federal assumiu sua administração, a ferrovia sempre foi brasileira, era apenas arrendada por um prazo de 60 (sessenta) anos a Farquhar. As Porto Velhos unificaram-se expandindo o espaço urbano da brasileira e o de sua boemia. Na segunda Guerra Mundial com a revitalização dos seringais, ocorreu a circulação de um vultuoso capital, ensejando a ampliação das casas comerciais de todos os seguimentos, os investimentos em construções civil e outros diversos empreendimentos empresariais inclusive em cabarés apelidados por pensão¹ financiados pelos seringalistas, aumentando em quantidade para o prazer dos boêmios e outros aficionados. As jovens cuiabanas, goianas, sulistas, além das nordestinas e nortistas começaram achegar a Porto Velho enriquecendo as equipes das pensões. No quadrilátero compreendido entre as atuais avenidas Carlos Gomes (ao norte), 7 de Setembro (ao Sul) Marechal Deodoro (ao Leste) e Campos Sales (ao Oeste), atravessando pela rua Tenreiro aranha no sentido norte/sul e as ruas Dom Pedro II e Afonso Pena no sentido leste/oeste, ficam as pensões grã-finas, a da Maria Eunice na rua Tenreiro Aranha esquina com a Dom Pedro II; a da Anita na rua Dom Pedro II, a Paranaense (transferida para a madame Elvira famosa Tatá) na Afonso Pena esquina com a Marechal Deodoro. Era a quadra do pecado, morada dos devasso, como lhe alcunhavam as pudicas beatas. Outras casas do prazer sendo instaladas nos subúrbios, a Iracema, a Delicia, o Tambaqui de Ouro, o Seringal, a concorrida Nara, as boates Casa Amarela, Céu, Taba do Cacique, Araríboia, Seresteiro e outras. Os bares proliferaram, porém o Central do João Barril mantinha sua tradição e preferência.

Entre os boêmios havia os seresteiros, os quais nas noites enluaradas de plenilúnio faziam suas serestas em frente as moradas de suas prediletas, inclusive do Colégio Maria Auxiliadora repleto de belas jovens internas provenientes de diversas localidades.

Dedilhavam os seus plangentes violões, entoavam harmoniosas e românticas canções, fazendo pulsar acelerados os corações de suas emocionadas ouvintes.

A provinciana e bucólica Porto Velho transformou-se em próspero centro econômico, politico e social.

A sociedade evoluiu estruturalmente e em postura cultural. As manifestações boêmias em suas formas também, as pensões foram substituídas pelos motéis, os clubes sociais com suas festas e bailes de gala, por casas populares de dança de ingresso pago, predominando o forró. Os seresteiros emudeceram substituídos pela televisão.

O que passou, passou, não volta mais. Não adianta chorar sobre o leite derramado.


1- Apelido originado em decorrência das mulheres residirem no cabaré, em apartamentos individuais e fazerem suas refeições no local de trabalho.
Abnael Machado
Membro do Instituto Geográfico de Rondônia
 

ACLER - Academia de Letras de Rondônia
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