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GUAJARÁ-MIRIM, BERÇO RONDONIENSE DA CULTURA E TRADIÇÃO
4 de  outubro de 2014 | Autor : 9 | Fonte : 9

Yêdda Pinheiro Borzacov

Membro da Academia de Letras  de Rondônia

Nascida em razão de ser porto de estocagem, embarque e desembarque de produtos de exportação, sendo escolhida para ponto terminal da Madeira-Mamoré, em território mato-grossense; crescendo como uma cabocla ribeirinha sapeca, embalada como uma embarcação na oscilação das águas do Mamoré e sentindo o aroma da floresta; presenciando o revoar dos bandos de pássaros exóticos que constroem os seus ninhais, estrategicamente distribuídos pela mãe natureza; ouvindo a melodia do ir e vir das águas dos rios e igarapés e aninhada no regaço da serra dos Pacaás-Novos, Guajará-Mirim, cidade símbolo da tradição de Rondônia, tem um ar de encantamento e mistério.

Cidade símbolo, porque representa o estado e é guardiã dos percalços de sua História.

Cidade tradição, porque desfralda no seu dia-a-dia, a cultura – húmus fértil que alimenta e amalgama o sentimento que, a nós rondonienses, nos marca e nos une: o da rondonidade.

Revisitando a História nas suas fontes, nos registros documentários, encontramos referências básicas que nos ajudam a desenhar o perfil histórico e cultural da bela Guajará-Mirim.

O seu nome Guajará (antigo Quadro e posteriormente Vila de Espiridião Marques), recebeu-a devido a existência da cachoeira Guajará-Mirim, no rio Mamoré, a poucos quilômetros do terminal portuário da cidade, e cujo topônimo, de origem tupi, significa, para alguns, “cachoeira pequena” e, para outros, “campos das yaras ou sereias”.

Em termos de pioneirismo, Guajará-Mirim desponta destemida, guerreira, valente, em um feito inédito ocorrido em 1937, quando um grupo idealista, que fazia conviver dentro de si o realismo e o sonho, encaminhou manifesto ao Presidente Getúlio Vargas, reivindicando o desmembramento da área, visando à criação de um território federal, dando ênfase ao desprezo que os governos de Mato Grosso e do Amazonas tratavam as regiões do Guaporé, Mamoré, do alto e parte do baixo Madeira. Nada faziam para propiciar o desenvolvimento dessa área que atravessava períodos difíceis. A memória dos nomes que assinaram o manifesto não pode ser esquecida... Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha... Pedro Struthos, o Grego... Alkindar Brasil de Arouca... Emílio Santiago... D. Francisco Xavier Rey... Manuel Boucinhas de Menezes... os jovens irmãos Paulo e Christina Struthos... Vitor Arantes... Ary Tupinambá Penna Pinheiro... Almerindo Santos... Graciliano Maia... Omilio de Melo Sampaio... Tancredo Lopes Braga, Promotor Público... Eliezer Nunes Arouche... Teófilo Nicolau... Omar Morhy... Sandoval França... Alberto Chama... Fares Mesrala... Antonio Peres... Manoel Magno Arsolino... Moacir Pontes... e os irmãos Toufic, Abdon, José e Tanuz Melhem...

Cidade onde era comum escutar nas ruas, no domingo da Ressurreição, a saudação grega:

— Cristós Anéste... (Cristo ressuscitou).

— Alithós – Anéste... (Sim, Ele ressuscitou).

E nas casas gregas havia distribuição de xerotigzna (símbolo da Páscoa), massa de farinha de trigo fina, com 1 cm, cortada e frita, com canela, mel, nozes ou amêndoas raladas, uvas e vinho. Lembro-me que meu avô, Pedro Struthos, não esquecia a tradição da sua terra.

Mosaico cultural de raças, Guajará-Mirim é uma referência não só para o rondoniense, mas para todos que lá vivem e que por lá passaram, memória e história – representação dos valores que ali são cultivados e repassados de geração a geração.

Cidade que espelha a diversidade de sons e interpretações folclóricas, como atestam os bois-bumbás, a festa da solidariedade do Divino Espírito Santo, a romaria fluvial de São Pedro, no Mamoré; o auto de resistência da raça negra – o batuque; a diablada (dança boliviana introduzida na cidade); o pitoresco das rezas da pajelança; as parodias do “Sarará”; as histórias dos pescadores e seringueiros; os mitos e as lendas do boto, caapora, matinta-perera, curupira, mãe d’água, boiúna, mapinguari, tamba-tajá...

Cidade de terras férteis para a castanheira... seringueira... caucho... balata... sorva... massaranduba... açaizeiro... piquiazeiro... sapucaieira... uxiseiro... andirobeira... tucumanzeiro... copaibeira... bacabeira... pupunheira...

Cidade dos quintais onde proliferam plantas e raízes medicinais ao alcance das mãos... o pião roxo... a erva cidreira... a vassourinha... a jurubeba... o mastruço... a arruda... o amor crescido... a mamona... a alfavaca... a chicória... o agrião... a babosa... o sabugueiro... o capim santo... a cabacinha... o quebra-pedra... a erva doce... a salsa... a mucuracaá... o jurubeba... o hortelã... o manjericão... o caruru... a lombrigueira... e sei lá quantas outras que formam a imensa e variada farmácia cabocla amazônida.

Cidade dos povos indígenas... Pacaás-Novo... Jabotis... Canoés... Arauás... Araras... Agurus... Macurapes... Massacás... Tuparys...

Cidade onde acontece o encontro das águas, acidente geográfico em que as águas barrentas do Mamoré se encontram com as águas escuras e límpidas do Pacaás-Novo, provocando paisagem prazerosa e pitoresca...

Cidade de rios onde os botos fazem a sua festa e de matas em que o uirapuru canta soberano, encantando todos os pássaros e animais da floresta...

Cidade fortalecida pela fé depositada em Nossa Senhora do Seringueiro, sua padroeira e protetora...

Cidade de gente boa, generosa e trabalhadeira... descendente de gregos... libaneses... bolivianos... espanhóis... barbadianos... granadenses... trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, monumento que conta a História do Estado...

Cidade que aceitou a divisão do município, entendendo que o espírito de Guajará-Mirim permanecerá latente, vivo, em Nova Mamoré... Costa Marques...

Cidade provinciana e romântica, iluminada no início do século XX por lampiões a querosene...

Cidade de fraternal convivência com Guayaramerín, cidade boliviana, ouvindo-se no dia-a-dia, tanto no comércio, como nas festas de salão, um falar pitoresco de português e espanhol, compreendido por todo mundo... Nosotros somos hermanos...

Yêdda Pinheiro Borzacov
 

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