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A FORÇA DO VOTO DA BR-364
7 de  abril de 2014 | Autor : 4 | Fonte : 4

(Explicação: O capítulo 6 desta série iria abordar O Legado Do Movimento Militar EmRondônia, mas a partir da eleição municipal de 1976 entrou em cena outraforça política local: o voto das comunidades ao longo da BR-364. É o tema deamanhã).

LúcioAlbuquerque

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(Consultoriado historiador Abnael Machado de Lima)

 

(Ontem foi abordada a questão política rondoniense noperíodo pós-1964, até 1972, quando foi eleita a primeira mulher para mandatoparlamentar no Território)

 

Foi na eleição de 1976 que Rondônia conheceu a forçapolítica das comunidades ao longo da rodovia BR-364. Naquele ano aconteceu aterceira disputa (contadas a partir de 1969) pelas vagas à Câmaraporto-velhense, quando ainda as terras do município se estendiam até Vilhena:dos 13 vereadores, sete vieram daquele distritos, um de Vilhena, um de PimentaBueno, um de Cacoal, um de Presidente Médici, dois de Vila Rondônia (em 1977Ji-Paraná) e um de Ouro Preto.

Naquela eleição um fato chamou a atenção: A monolíticaliderança do deputado federal Jerônimo Santana, eleito em 1970 e reeleito em1974, começou a ser desafiada por um grupo do próprio MDB, formado porvereadores de Porto Velho, incentivados pelo secretário-geral do partidoEnjolras Araújo Veloso, que criticavam a forma como Jerônimo dirigia o regional– à época, quando já se falava muito na criação do Estado, houve citações de queSantana estava começando a temer a sombra representada pelo grupo.

E a razão para o problema pode ter sido como incentivado ofato do deputado ter passado a dar mais atenção a um grupo de candidatos,hostilizando os vereadores, cisão que ficou bem clara quando formaram-se duasalas, uma conduzida pelo próprio Santana e outra liderada por Enjolras contandocom os vereadores Luis Lessa Lima, Cloter Mota, Abelardo Castro e PauloStruthos Filho (dos quatro só Lessa não foi reeleito).

Nos comícios o grupo de Jerônimo realizava num bairro dacidade e a ala rebelde em outro. Contados os votos, odeputado perdeu, porque apenas um do seu grupo, o advogado Itamar MoreiraDantas, foi eleito - o restante da bancada que se tornou majoritária veio dointerior.

Jerônimo Santana tinha sido eleito duas vezes deputadofederal pelo MDB, sempre com o mesmo discurso: a favor da garimpagem manual,defesa do colono e da criação do Estado (*), além de pesadas críticas aosgovernadores. Ele poderia terajudado muito, mas só sabia criticar, atrapalhoudemais, disse em sua casa emBrasília o ex-governador Humberto Guedes (1975/1979) em conversa sobre suaadministração. Humberto Guedes foi o responsável pela estruturação do projetodo Estado, conforme assessores que trabalharam com ele e que fizeram parte daequipe do seu sucessor Jorge Teixeira.

O livro O Jantar dos Senadores (em fase de edição final, do autor Lúcio Albuquerque, presente àquela convenção) contém umcapítulo sobre a escolha dos candidatos do MDB e da ARENA em 1978. Trechos aseguir:

APRIMEIRA DERROTA DO DR. BENGALA

Em 1978 o presidente Ernesto Geisel fez aprovar mensagemque abriu mais uma vaga a deputado federal para os Territórios. Cada partidopoderia indicar até quatro candidatos. Líder do partido oposicionista, Santana,conhecido pela alcunha de Doutor Bengala, não acatou a sugestão da ala jovemque queria indicar um nome dentre os quatro candidatos, e lançou uma chapacomposta por ele próprio, Walmi Daves de Moraes, Carlos Alberto – Melhoral -dos Santos e Mário Bohemundo Braga. A ala jovem decidiu pagar para ver.

Na época as comunicações eram muito difíceis, mas mesmoassim foram feitos contatos telefônicos com os convencionais do interior queviriam para a convenção. Na noite da véspera, e na madrugada do dia da convençãodo MDB, o secretário-geral Enjolras Araújo Veloso e os vereadores Cloter Mota,Paulo Struthos e Abelardo Castro deram plantão na estação rodoviária, entãofuncionando num terreno da esquina das ruas Sete de Setembro com João Goulart,para receber os convencionais vindos dos municípios da BR e de Guajará-Mirim.



CloterMota (discursando) ouvido por João Bento (vereador), Sílvio Santiago (Teleron),Amizael Silva (vereador), José Gomes de Melo (Ceron), Itamar Dantas (vereador)e Sebastião Valladares (prefeito).

 

De lá levaram a maioria dos convencionais para um hotel, eno dia seguinte no pequeno espaço da velha Câmara Municipal, na ladeiraComendador Centeno, o grupo apresentou sua chapa: Enjolras, Abelardo e Struthos(a quarta vaga era do candidato natural, o próprio Jerônimo). Os rebeldesvenceram.

A disputa interna do MDB foi facilitada pelo próprioSantana que mandava entregar entrega nas casas um folheto, o Jornaldo Deputado, sobre seu trabalho em Brasília e sempre criticando osvereadores eleitos em 1972 pelo seu partido. Isso gerou uma situação de choque.

O Jerônimo fica em Brasília e nós aqui é que sentimos a pancada,porque nós é que estamos no dia a dia com a população, o governador e oprefeito, reclamava o vereador CloterMota.

Ao ser anunciado o resultado da convenção, foinotório o constrangimento de Santana. Sentado num canto, encolhido, o até entãotodo-poderoso Doutor Bengala assistiu a proclamação e à festa dos vencedores. Eainda teve de aturar os seus discursos a lhe garantir apoio, mimoseando-o,chamando-o de grande líder. Jerônimo deve ter se sentido como a rainha daInglaterra, aquela que governa, mas não manda. No dia seguinte Enjolras e Struthos desistiram, e dosrebeldes ficou apenas Abelardo na chapa.

Foi uma demonstração de força de uma ala que crescia nopartido, e que ficou pior quando Santana importou o empresário Múcio Athaídepara ser candidato a deputado federal na primeira disputa do Estado, em 1982.Ao trazer Ataíde, Jerônimo deu o troco a Enjolras, retirando-o dasecretária-geral do sucedâneo do MDB, o PMDB, o que gerou mais ressentimentos.

Na ARENA, rompido com o governador Humberto Guedes, que não queriaparticipar do processo eleitoral, o presidente regional Odacir Soares indicou aseguinte chapa: ele mesmo, os vereadores de Porto Velho Antonio Leite e JoãoBento e o bancário guajaramirense Isaac Newton. Odacir já era tratado por deputadoem suas idas à Câmara Federal antes da disputa. Na convenção um tumulto:alegando ter um documento que lhe havia sido enviado via fax pelo ministro doInterior Maurício Rangel Reis, o coronel Carlos Augusto Godoy exigia uma vagana chapa, mas ficou de fora.

COMO SE FABRICA UMDEPUTADO

(Capítulo do livro O Jantar dos Senadores que narra a política rondoniense de 1912 a 1998, em fase de ediçãofinal, do autor Lúcio Albuquerque).

Isaac Newton  era um funcionário do Banco do Brasil,semi-gago, morador de Guajará-Mirim. As chances de ser eleito eram tantasquanto à de um elefante passar num buraco de fechadura. Mas o governadorHumberto Guedes, conforme se falava abertamente àquela altura, teria recebidode Brasília a determinação de participar do processo eleitoral, mesmo contrasua vontade, e de apoiar qualquer, um menos Odacir.

Guedes decidiu encararos fatos: escolheu Isaac e colocou a máquina administrativa para trabalhar afavor dele, com o vital apoio do capitão Sílvio Gonçalves de Faria, senhortodo-poderoso do Incra que detinha, então, a melhor estrutura e o melhororçamento dentre todos os órgãos do Território, mais que o próprio governoterritorial.

Em 20 dias de campanha, levando o desconhecido funcionário doBanco do Brasil a tiracolo, Guedes ganhou a parada e humilhou Odacir que tevede contentar com uma suplência e assumir a titularidade apenas por um ano,antes de ser eleito senador em 1982.

Quem esteve envolvido diretamente naquela disputa lembra ainda dedetalhes da eleição de Isaac Newton. Um deles o técnico agrícola do INCRA PauloBrandão, o Paulinho do INCRA.

Vinte e oito anos depois, em 2006, em frente ao Hotel Nacional emPimenta Bueno, Paulinho do Incra ria muito ao contar como foi cooptado parafazer campanha por Isaac, que ele nem conhecia e de quem nunca tinha ouvidofalar.

Um dia fui convocado para uma reunião em Porto Velho com ogovernador Humberto Guedes e o capitão Sílvio Farias, meu chefe no Incra. Osdois me comunicaram da decisão. Eu nem pude opinar, lembrou Paulinho.

E continuou: Euera responsável pela ação do Incra na faixa de Pimenta Bueno a Vilhena e atéPimenteiras. Fui informado que iria ser o coordenador da campanha do Isaac eque ele nem iria lá. Ganhar ali era responsabilidade minha, disseram.

Eu nunca havia feito discurso e estava em Colorado para a estréia.Não saía nada da minha garganta até que alguém da platéia jogou uma piada e eudisse que era para votar no nosso candidato. Peguei um papel qualquer ebalancei no ar, lembrando que se ele não ganhasse os colonos não receberiam odocumento que lhes dava direito à terra que ocupavam. Meu discurso acabou aí.No final, o candidato que a gente nem conhecia ganhou de lavada. Ordem dada eexecutada.

Encerrada a contagem de votos de 1978 o MDB reelegia JerônimoSantana. Isaac Newton, autêntico azarão político, com apoio do governadorHumberto Guedes e do INCRA, foi eleito pela ARENA e ganhou seu espaço napolítica local.



Isaac (de óculos, vibrando) em meio aos deputados logo após aaprovação do projeto que criou o Estado de Rondônia. No meio, Santanaque Isaac acusa de não ter votado a favor do Estado.

 

Odacir ficou fora e teve de contentar com assumir depois, comosuplente durante um ano, mas ele não queria sair e eu tive trabalho parareassumir meu mandato, lembrou Isaac Newton 30 anos depois, em sua casa, em Manaus.

Em 1981 foi criado o Estado e a primeira eleição nessacondição em Rondônia foi em 1982, mas a partir de agora é outra Históriapolítica.

 

(*) O governador do Território era nomeado pelo presidenteda República, por indicação do ministro do Interior.

(**) Em entrevista concedida ao autor desta série, oex-deputado federal Isaac Newton (ARENA, 1979/1983) repetiu que Santanaabsteve-se na votação do projeto de criação do Estado, mesmo com o apelo queIsaac diz ter feito para que votasse a favor. Depois da votação – Isaac Newtonafirmou – Santana tentou mudar seu voto, mas a questão já estava encerrada.


Lúcio Albuquerque
Jornalista, Escritor e Membro da Acler
 

ACLER - Academia de Letras de Rondônia
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